Você tem dúvidas sobre a produção dos alimentos orgânicos?

1) Com a Lei dos Orgânicos (Lei 10831/03) em vigor, o que mudou no Brasil em relação a esses alimentos?


A Lei n° 10.831/2003 e seu regulamento estabeleceu normas para a produção, processamento, comercialização e identificação dos produtos orgânicos. A partir dali os produtores passaram a dispor de princípios e regras claras e objetivas para a obtenção dos produtos orgânicos o que lhes permitiu buscar a certificação dos sistemas de produção e, assim, conquistar a confiança do público consumidor. Um aspecto relevante no regulamento é que, a despeito de ser um conjunto de normas restritivas, também é um código de boas práticas que visa melhorar as condições de vida e saúde dos segmentos sociais envolvidos na produção e consumo.

2) Como é realizada a certificação dos alimentos orgânicos? Existe um selo padronizado para todo o território nacional? Qual é este selo?

A certificação de produtos orgânicos é realizada por organismos de avaliação da conformidade, que são as certificadoras e os sistemas participativos de garantia – SPG. Os produtos oriundos de sistemas acompanhados pelos organismos de avaliação da conformidade credenciados no MAPA recebem o selo de conformidade do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. Além disso, a legislação brasileira permite a venda direta de produtos orgânicos não certificados diretamente ao consumidor final, desde que realizada por agricultores familiares organizados em organizações de controle social cadastradas no MAPA. Estes produtos, todavia, não podem ser comercializados no mercado atacadista ou varejista. Por se tratar de venda direta ao consumidor final, não usam o selo do Sistema Brasileiro.

3) Qual a importância da certificação para os consumidores?

Com a crescente procura de produtos orgânicos pelos consumidores e o distanciamento entre estes e os produtores, a certificação é necessária como garantia da qualidade orgânica dos produtos. Não há como saber se um produto foi obtido num sistema orgânico de produção, se não houver o acompanhamento do sistema de produção. E é esta a mensagem que o selo traz: o sistema de produção foi acompanhado e está em conformidade com o regulamento e é capaz de gerar aquilo que o consumidor espera de um produto orgânico.

4) Caso algum produto orgânico seja vendido sem o selo de certificação, como denunciar?

Produtos orgânicos somente podem ser comercializados sem o selo de conformidade orgânica se forem produzidos por agricultores familiares pertencentes a organizações de controle social cadastradas no MAPA e comercializados diretamente pelo produtor (ou alguém do seu grupo). Neste caso, será obrigatória a exibição da Declaração de Cadastro do Produtor. Caso não seja um produto em venda direta, ou seja, um produto vendido sem o selo numa loja ou supermercado, a fiscalização do MAPA deverá ser imediatamente informada porque, provavelmente, se trata de um produto clandestino.

5) Qual é o trabalho desenvolvido pelos auditores fiscais federais agropecuários na fiscalização dos alimentos orgânicos? Como funciona este trabalho?

Uma das responsabilidades dos auditores fiscais federais agropecuários é auditar as certificadoras e os sistemas participativos de garantia credenciados no MAPA, o que também envolve visitas (auditorias-testemunha) às unidades de produção ou processamento. É ainda de sua competência a fiscalização do mercado e das organizações de controle social e seus produtores. Também é de responsabilidade dos fiscais federais agropecuários do MAPA a articulação interinstitucional para a instalação e funcionamento das Comissões da Produção Orgânica dos estados e Distrito Federal – CPOrg/UF, que são compostas paritariamente por representantes da Sociedade Civil e de órgãos governamentais. Entre outras funções, as comissões são encarregadas de acompanhar a rede de produção orgânica, assumindo o item mais oneroso dos processos de fiscalização que é a vigilância de mercado, ou seja, estar em todos os lugares e ter informações sobre tudo o que acontece. Como o conjunto das organizações representadas nas comissões cumpre este papel, as informações estratégicas geradas neste processo são direcionadas aos fiscais federais agropecuários para o exercício do Poder de Polícia, que é de sua competência exclusiva, contribuindo para maior eficiência e efetividade ao processo de fiscalização. Uma das características pouco elucidadas dos sistemas de fiscalização é sua capacidade de gerar informações estratégicas sobre o ambiente em que atuam, uma vez que as irregularidades apuradas revelam os gargalos do setor envolvido. Outro papel das CPOrg/UF é direcionar aquelas informações estratégicas às instituições que possam fazer uso inteligente delas, como os órgãos de pesquisa ou de extensão rural, na solução de problemas que, muitas vezes, são decorrentes de falta de informação dos agentes da rede de produção. Além disso, tem sido intenso o trabalho de capacitação de técnicos e agricultores na questão das boas práticas de produção orgânica e do cumprimento dos regulamentos vigentes, além das atividades de fomento ao uso de insumos e práticas adequadas na Produção Orgânica.

6) Quais são as principais diferenças entre produtos orgânicos e produtos que contêm agrotóxicos?

A Lei n° 10.831/2003 define produto orgânico como todo aquele obtido em um sistema orgânico de produção ou em um sistema extrativista sustentável. Ou seja, a qualidade de um produto orgânico não reside somente no produto em si, mas no sistema em que foi obtido. Não se trata somente de ausência de resíduos de agrotóxicos sintéticos, mas também há questões relacionadas com a fertilidade e a conservação do solo, ausência de produtos geneticamente modificados e radiações ionizantes, além de questões relativas ao ambiente – sustentabilidade ambiental, prevenção da contaminação do solo, água e ar por resíduos tóxicos, manutenção das áreas de preservação permanente e das reservas legais, da diversidade ambiental, assim como questões sociais – relações e condições de trabalho, soberania e sustentabilidade econômica, além de outros aspectos que se refletem na qualidade do produto e na composição nutricional.

7) E a diferença entre alimentos hidropônicos e orgânicos?

Há muitas diferenças. Os produtos hidropônicos são cultivados sem solo, e as plantas recebem nutrientes diretamente de uma solução salina elaborada com compostos químicos sintéticos que contém os nutrientes que necessitam. Nem sempre se garante o equilíbrio da composição das plantas neste sistema e o custo ambiental – água e energia é alto. Nos cultivos orgânicos a nutrição das plantas é realizada através de uma complexa interação entre as plantas, o meio físico do solo e, principalmente, os organismos vivos e as substâncias decorrentes de seu metabolismo ou decomposição. Como é um sistema que evoluiu através de milhões de anos na natureza, o resultado é uma nutrição vegetal equilibrada que se traduz em alimentos mais nutritivos, com melhor sabor e durabilidade.

8) Quais são os benefícios que os produtos orgânicos trazem aos consumidores e ao solo?

O cultivo orgânico torna o solo cada vez mais produtivo e equilibrado, através do estímulo das relações planta-solo-organismos e, também, pela ausência de contaminantes tóxicos ou persistentes que prejudicam a vida do solo. Aos consumidores, de uma forma direta, os produtos orgânicos tem maior qualidade nutricional, ausência de resíduos de substâncias tóxicas, melhor sabor e maior durabilidade. De uma forma indireta, o ambiente resultante de um sistema orgânico é estável e produtivo, atendendo o conceito da sustentabilidade: satisfazer as necessidades das atuais gerações sem prejudicar a capacidade das futuras gerações fazerem o mesmo.

9) Quais são os malefícios que os alimentos que contêm agrotóxicos trazem ao solo e aos consumidores?

Os sistemas industriais se baseiam na lógica da produção em ambientes desequilibrados do ponto de vista ambiental e nutricional com a consequente necessidade de constantes intervenções humanas, como a aplicação de agrotóxicos. Não se pode pensar em produção de alimentos, naqueles sistemas, sem a utilização daquelas substâncias. A maior parte dos agrotóxicos utilizados são moléculas exóticas na natureza que tendem a se acumular no ambiente e nos seres vivos que as ingerem. Os testes de segurança no consumo de alimentos com resíduos de tais substâncias apenas verificam o efeito da intoxicação aguda, ou seja, da dose máxima que podemos ingerir de uma determinada substância que, em função daqueles estudos, é limitada pela legislação pertinente.
Todavia não há nenhum estudo do resultado do consumo de tais substâncias em longo prazo, ainda que em doses menores, assim como não há estudos que levam em conta a interação entre os diversos princípios ativos que são ingeridos, dia a dia, pelas pessoas. O resultado disso é o crescente aumento de doenças degenerativas e alergias nos consumidores que vimos assistindo nas últimas décadas, sem nos dar conta de suas causas. Os efeitos no solo são decorrentes do efeito das substâncias químicas nos organismos vivos, que perturbam o equilíbrio entre as espécies e os processos naturais causando redução da diversidade e da estabilidade ambiental, culminando com um aumento na ocorrência de pragas e outras desordens populacionais. Além, é claro, da redução do aporte de matéria orgânica ao solo, que é fundamental para a construção da sua fertilidade e estabilidade.

10) Como funciona a agricultura orgânica de frutas, legumes e verduras? Como é feita a fertilização do solo e o combate a pragas?

A principal preocupação é a construção da fertilidade do solo, através de constantes aportes de matéria orgânica, promoção da diversidade (solo e ambiente) e a proteção do solo e da vida que nele se encerra. Não se consegue isso somente com fertilizantes orgânicos, como os estercos – que são importantes fontes de matéria orgânica e nutrientes, mas também com técnicas de manejo como adubação verde com leguminosas, manejo da vegetação espontânea, cultivos consorciados e utilização de resíduos animais e vegetais estabilizados biologicamente. Através de uma nutrição equilibrada, ou seja, quando a preocupação tenha sido construir a fertilidade do solo e não apenas nutrir as plantas (muitas vezes como se o solo e seus organismos não existissem), o resultado são plantas com composição química equilibrada e menos propensas ao ataque de pragas. Outras técnicas servem de apoio à sanidade vegetal, como a construção da diversidade no ambiente – cultivos consorciados, rotação de culturas, sistemas diversos, sistemas agroflorestais, proteção das áreas de cultivo por cercas vivas, e métodos culturais como plantio em épocas adequadas, seleção de espécies adaptadas às condições climáticas e resistentes às pragas e doenças e até mesmo a sincronia com as influências cósmicas, em função de recentes estudos que trouxeram evidências científicas da influência da lua e dos planetas na sanidade e desenvolvimento das plantas. Além disso, em casos excepcionais, os princípios e o regulamento da produção orgânica preveem o uso de produtos para o controle de pragas a partir de substâncias pouco tóxicas para o ambiente, para os trabalhadores e consumidores, algumas delas até comestíveis como os extratos vegetais – extratos de alho e pimenta por exemplo, além de substâncias minerais, controle biológico e substâncias químicas pouco tóxicas. Resumindo, não se trata de simplesmente proibir o uso de agrotóxicos sintéticos, mas de manejar sistemas para uma situação de equilíbrio onde não haja a necessidade de intervenção humana através daquelas substâncias.

11) E como é a produção de carnes e ovos orgânicos? Como os animais são criados?

Os sistemas de produção animal são baseados no bem-estar animal, ou seja, reduzindo o estresse dos animais (a exemplo de nós mesmos) a saúde é favorecida. As condições de criação devem corresponder, o tanto quanto possível, ao ambiente natural das espécies, permitindo a manifestação de seu comportamento natural. Não são permitidas mutilações, maus-tratos ou estabulação permanente de animais. A exemplo dos seres humanos, os animais em manejo orgânico devem ser alimentados somente com produtos orgânicos, ou seja, com alimentos de maior qualidade biológica. Apenas excepcionalmente se admite uma fração limitada da ração animal de origem não orgânica. Em caso de doenças, existem métodos de tratamento de baixo impacto ambiental e toxicológico e a terapêutica convencional é feita somente em casos extremos e de uma forma limitada, afastando o animal submetido a antibióticos ou drogas sintéticas do ambiente de produção.

Sempre que possível, o agricultor deve buscar a integração entre a produção animal e a produção vegetal, otimizando os serviços ambientais decorrentes da ação dos animais na unidade de produção que, além de outros benefícios, promovem a sustentabilidade econômica da exploração agrícola. Um dos fundamentos da Agricultura Orgânica é exatamente este, a visão integrada dos componentes de uma unidade de produção, o que muitos chamam de visão holística. Esse é o motivo que a Agricultura Orgânica é chama da de Orgânica: é porque a unidade de produção é considerada como um Organismo vivo, interativo, integrado e autossustentável. Não é porque se utilizam fertilizantes orgânicos em substituição aos fertilizantes minerais solúveis (adubos químicos), mas trata-se de enxergar um sítio, uma roça, uma fazenda o mesmo um quintal como algo vivo capaz de produzir saúde e sustentabilidade e não como máquinas de produzir proteínas ou commodities vegetais. 

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